quarta-feira, outubro 31, 2007

Olhares


Esta vista de mar, solitariamente, dói-me.
Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas,
me dariam riso e bálsamo.
A arte da Natureza pede
o amor em dois olhares.

Fiama Hasse Pais Brandão

quinta-feira, outubro 25, 2007

Lar


Lar é onde se acende o lume e se partilha mesa
e onde se dorme à noite o sono da infância.
Lar é onde se encontra a luz acesa quando se chega tarde.
Lar é onde os pequenos ruídos nos confortam:
um estalar de madeiras, um ranger de degraus,
um sussurrar de cortinas.
Lar é onde não se discute a posição dos quadros,
como se eles estivessem ali desde o princípio dos tempos.
Lar é onde a ponta desfiada do tapete, a mancha de humidade no tecto,
o pequeno defeito do caixilho,
são imutáveis como uma assinatura reconhecida.
Lar é onde os objectos têm vida própria e as paredes
nos contam histórias.
Lar é onde cheira a bolos, a canela, a caramelo.
Lar é onde nos amam.

Rosa Lobato Faria , "O Sétimo Véu"

(mood: Michael Bublé, Home, em
http://www.youtube.com/watch?v=fDQnkYwfNfk)

quinta-feira, outubro 18, 2007

Espera...


Espera...
Guarda um pouco a criança impulsiva,
irrequieta e incessante que trazes dentro.
És homem. Sólido e maduro.
Sabes o que queres, o que esperas.
Dá um tempo. Dá tempo ao tempo.
Recolhe-te um pouco. Serena.
Sim, eu sei: és todo coração!
Mas espera... espera...
O que tiver de ser... será!
E tu sabes... sempre foste encontrado.
E o melhor... veio sempre de surpresa!

sábado, outubro 13, 2007

Uma vez...


"... em África andava eu no mato, quando vejo uma zebra maluca às cabeçadas às árvores e afligi-me todo porque o animal não era dali e ia espatifar-se fora do seu horizonte. Alto, bicho bonito! Vem ao pé de mim que te levo para a tua savana, nem que nessa caminhada demore o resto da minha vida. Olhou-me com olhos tão meigos que vi logo que me tinha entendido, os animais entendem as palavras e as intenções por detrás delas, caminhou ao meu lado como burro doméstico, era uma fêmea, ao fim de três horas ajoelhou para que eu montasse. E assim andámos dois dias, dorme aqui, avança acolá, cheirávamos a água do rio mas não alcançávamos de lá chegar, ao terceiro dia, mais mortos que vivos, avistámos a margem e bebemos.

Do outro lado era a savana, a zebra havia de atravessar a nado, eu voltaria para trás, mas não sei porquê deu-me um nó na garganta e à zebra também, que me rodeava, roçava a cabeça no meu peito e não partia. Fui à caça de alguma coisa para comer, depenei o meu pássaro, fiz uma fogueira para assá-lo, pensei, agora vai fugir com medo do lume, mas não, deitou-se ao meu lado como se esperasse alguém ou alguma coisa.

Porque já sabia que me escutava falei-lhe de manso, zebra minha amada, a tua vida não é deste lado do rio, tens que ir-te à procura dos teus, ninguém vive bem sozinho e uma zebra muito menos, tens a tua manada, todas às riscas bonitas como tu, pretas e brancas, a explicar aos homens que preto e branco se misturam na maior beleza, eu sei que és minha amiga e que me estás agradecida, mas chegou a hora de dizermos adeus. Correu um pouco pela margem, experimentou a água. Agora é que vai, qual quê, eu estava deitado com as mãos debaixo da nuca, voltou para trás, deitou-se, pousou a cabeça no meu peito e adormeceu.

Era um peso enorme, mas não quis enxotá-la, havia de parecer-lhe ingratidão, lá adormeci e à medida que dormia o peso fez-se mais leve e no meio da noite acordei de repente e tinha uma mulher nos meus braços e uma pele de zebra a cobrir-nos aos dois. Ela era negra, linda, macia e cheirosa, apertou contra o meu o seu corpo nu e ali nos amámos e nunca, nos dias da minha vida, amei nenhuma que se lhe comparasse.

Um ano inteiro vivemos juntos à beira do rio, nunca lhe pedi explicações porque o mistério é o mistério, da pele costurou colete que nunca mais larguei, ensinou-me tudo sobre o amor, a terra, a floresta, a savana e o rio, ensinou-me, na verdade, tudo quanto sei e a paixão que tinha para viver, vivi-a toda naquele ano, naquela terra quente, à beira daquele rio.

Uma madrugada, que recordo como a mais triste de toda a minha vida, não senti a sua cabeça na cova do meu ombro, nem a sua coxa sobre a minha coxa, nem a sua mão pousada no meu peito. Abri os olhos sobressaltado, saí da cabana, chamei. Mas apenas vi do outro lado do rio, uma zebra que se afastava na luz quieta da primeira manhã."

Rosa Lobato Faria, “Os Pássaros de Seda

(Uma sublime história de AMOR! E o AMOR... é tudo!)

quarta-feira, outubro 10, 2007

Amor


O que eu amo sobretudo
é a simplicidade de um solo
que não possuo.
O que eu espero é um improvável elemento
que aglutine os despojos do silêncio
e lhes dê um rosto
maravilhosamente tranquilo.

António Ramos Rosa

terça-feira, outubro 09, 2007

Amizade


Foi assim o fim de dia, em S. Bernardino, no passado domingo.
O desfecho perfeito para um dia FELIZ!

Por tudo o que são, por tudo o que representam para mim,
do fundo do coração:

Obrigado meus amigos, Alda, Vítor e pequeno Francisco :o)

Um abraço forte e emocionado.

(um beijo com muito carinho para ti, Isabel, pela partilha)

sábado, outubro 06, 2007

Dei-me inteiro


Dei-me inteiro.
Os outros fazem o mundo (ou crêem que fazem).
Eu sento-me na cancela,
sem nada de meu
e tenho um sorriso triste
e uma gota de ternura branda no olhar.
Dei-me inteiro.
Sobram-me coração, vísceras e um corpo.
Com isso vou vivendo.

Rui Knopfli

quinta-feira, outubro 04, 2007

Poema


o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto, que não vejo,
e que existe porque me olhas,
o poema é o teu rosto,
eu, eu não sei escrever
a palavra poema,
eu, eu só sei escrever o seu sentido.

José Luís Peixoto